A sociedade de um homem só

Iago Martins
4 min readSep 23, 2021
“Filósofo com um livro aberto”, por Rembrandt, 1663.

Ninguém é isento do sofrimento, em maior ou menor escala, independentemente dos status, da idade, da cor da pele, da cultura em que está inserido, ou o gênero que possui.

Por sermos seres sociais, necessitamos de algo ou alguém para nos dar sentido à vida. Não exatamente — ou sim — um sentido para toda a vida, mas “pequenos sentidos” que nos façam atravessar o dia com, pelo menos, a certeza de que o amanhã será uma outra oportunidade.

É justamente essa dependência da sociabilidade que me faz elaborar um dos pensamentos que mais me cercam, ou me confundem: ao mesmo tempo em que preciso de algo ou alguém pra me dar algum sentido, esse algo ou alguém tem uma probabilidade enorme de me decepcionar. Mas, será se é realmente algo/alguém que me decepciona, ou é a expectativa que eu coloco nesse algo ou alguém?

Estar em sociedade significa ser dependente. E é impossível sair dessa dependência. Por exemplo: mesmo se eu fosse deixado sozinho numa ilha, eu iria socializar, não ia conseguir parar de comunicar e, inevitavelmente, iria começar a ter um amigo imaginário — que nada mais seria do que a minha própria razão, enquanto valores, ou a perda progressiva deles. Permaneceria a socializar, mesmo que comigo mesmo. Afinal, com quem mais eu socializaria melhor do que com aquele que possui os meus mesmos hábitos? Somos, cada um, uma sociedade de um homem só. E, assim como em qualquer sociedade, considerando uma grande nação ou um pequeno organismo, as crises irão, inevitavelmente, aparecer.

Há muito se discutem o sentido da vida, há pouco percebi, em autoanálise — inspirado por alguns livros e outras experiências-, que o sentido da vida está na morte. Longe de ser uma perspectiva pessimista, muito pelo contrário. Viver é se responsabilizar diariamente pelos seus atos, de forma que essa motivação faça com que, ao contrário do que se espera, você mesmo dite algo para sua vida a partir daquilo que vive, em contraponto com a ideia geral de esperar que a vida faça algo por você.

Enquanto vivermos na monotonia da espera pela mudança espontânea, apenas viveremos esperando o momento em que a vida nos atravessa com aquilo que entendemos por sofrimento. Porém, que fique claro que viver a partir de motivações diárias não nos tornam isentos dos sofrimentos, afinal: as ideias têm consequência, sobretudo quando a potência se torna ato. Tampouco significa que o sofrimento derivado de qualquer experiência vital seja, precisamente, evitável. Pelo contrário: a experiência da frustração nos blinda e nos mostra exatamente aquilo que somos, nossos medos, nossa força, nossos valores, nossa motivação, nosso sentido.

Perguntar-se qual o sentido da vida já é uma interrogação aliviosa. A partir dessa pergunta, inconscientemente partimos de um raciocínio onde a vida tem, ou precisa ter, um sentido. Não conseguiríamos viver em um mundo tão sofrido, amargo, injusto e, muitas vezes, infeliz, caso não houvesse um sentido para isto.

Viktor Frankl, em seu livro “Em Busca de Sentido” nos revela que, no campo de concentração, em dado momento, a reflexão feita por ele não era mais se ele viveria após tamanho sofrimento, mas se aquele sofrimento teria algum sentido, caso contrário, não fazia sentido sobreviver ao campo de concentração. Bastaria a morte para pôr fim ao sentido da vida, e aí sim a vida não teria sentido. Porém, como dito acima, vivemos para morrer, mas o que realmente que dá sentido à vida é o trajeto, o caminho, a motivação até o momento derradeiro: “Carpe diem, memento mori” (“Aproveite o dia, mas se lembre da morte).

Experimente fazer esse exercício de escuta: assim como um mergulhador que explora o mar desconhecido, aprofunde-se no outro em silêncio catedrático. Abra bem seus olhos e ouvidos, perceba a gesticulação, o ritmo da voz, a entonação, e, sobretudo, ouça aquilo que o outro fala. Esqueça seu repertório de vida, as comparações, aquilo que pensa, aquilo que discorda e toda e qualquer crítica. Apenas ouça o outro e perceberá que, independentemente de qualquer coisa, o sofrimento existe em maior ou menor categoria, desde a criança que não consegue realizar seus exercícios de caligrafia até o executivo que não consegue gerenciar uma reunião de negócios.

E esse mesmo exercício pode ser feito consigo mesmo. Nesse caso, a chave que destrava o pensamento é procurar, internamente, saber quem ou o que é que te dá sentido, e como isso te ajuda a encontrar a saída para, pelo menos por alguns momentos, se sentir respirando, vivo.

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